Pílula de Marketing (87) – Como o anime Demon Slayers identifica desalinhamento no consumo do produto?

O QUE É DEMON SLAYERS?

Acredito que normalmente sempre vamos pensar em um ponto positivo quando falamos de Marketing. Mas gosto de lembrar, que não existe uma proposta de analisar apenas o que de fato daria certo. Para um resultado ocorrer, estamos um pouco carecas de ouvir ou ler, mesmo de saber, que antes do sim, é preciso entender o não. Mas agora neste artigo não vamos ‘responsabilizar’ o PJ, vamos entender como um produto cria um direcionamento pouco comum.

Demon Slayers é um mangá de 2016 criado pela japonesa Koyoharu Gotoyge que teve 23 volumes, a sua adaptação idêntica (com uma leve variação de conto) para anime em 2021 dividido em arcos, com dois episódios dispostos em cartaz (cinema), apresentado a segunda parte do episódio 11 no Arco da Vila dos Ferreiros e a primeira parte do episódio 1 do arco do Treinamento dos Hashiras, conta com a saga dos irmãos Kamado, em busca de uma cura definitiva que transforme Nezuko em humana novamente (atualmente uma Oni).

Pela mitologia, folclore japonês, Oni não é exatamente um demônio como nós ocidentais definimos. Demônios entidades malévolas. Mas como entidades sobrenaturais. Que podem ser demônios ou não. Elementais, seres, fantasmas. Com algum nível de bondade ou maldade. Por isso que causa estranheza quando temos uma Nezuko que ora Oni é boa, Yushiro que ora Oni é bom, ou mesmo outros que parecem maus, são aparentes humanos transformados em ódio, que na verdade são almas arrependidas.

O xintoísmo é largamente explorado pelos japoneses em seus contos, e encantam por aqui. Obras com Naruto, Demon Slayers, Tokyo Ghoul e etc, sempre possuem elementos que envolvam o Tengu, Hannya, Amaterasu e demais, estes últimos muito associados ao termo Youkai. E após essa rápida revisão, caminha a autora a intenção de criar uma saga de dois irmãos, que logo no primeiro episódio, tem a família massacrada por Onis, e intencionada em transformar o que sobrou, sua irmã mais nova, Nezuko, Tanjirou se transforma em caçador de demônios.

DO QUE SE TRATA?

A narrativa é e sempre será a busca da cura da única irmão sobrevivente do massacre Oni da família Kamado, Nezuko, que ficou viva, porém transformada em uma Oni. Com algum nível de consciência. Tanjirou, passa a série inteira a procura dessa cura. Então obviamente os únicos sentimentos envolvidos para com o show seria – torcer por essa busca. No entanto como é de se esperar, a perspectiva depende do observador.

Aqui vem a lição para quem cria soluções, portanto produtos. Como de praxe, se você tentar entender alguma obra utilizando o material já desenvolvido de algum consumidor, terá uma breve ilusão do que se trata. Muito do que falamos sobre um produto é referente ao nosso ponto de vista (POV) e que relaciona com nossas experiências com o produto com o nosso passado (a que se refere no que acreditamos), assim entrelaçamos a filosofia de nossa vida a tudo que tocamos.

Demon Slayers se não tivesse influência externa de escolha, os consumidores teriam intenção de torcer pelo sucesso de Tanjirou. Porém o que eu mais leio em fóruns do assunto é – “Qual é o Hashiro mais forte”, “Qual é a espada mais forte”, “Qual é o vilão mais poderoso”. Como se o anime se resumisse a um combate sem sentido ou mesmo um duelo com algum sentido, mas apenas isso. Quando que realidade, bem declarado, não é.

Demon Slayer não se trata de competição, e sim de sobrevivência. Não se trata do mais forte, e sim da solução. E não da espada mais sagaz, e sim de uma família destruída tentar se recompor com o que tem. Porém o POV do público transforma o formato de um produto em algo que mais lhe faz sentido. Aqui é a importante lição.

MUDANÇA DE PARADIGMA DO PRODUTO.

Comum demais, e preciso tirar vantagem desse conceito, porque estamos falando do que o público realmente vê. Ele vê o produto como você vê ou diferente? Neste caso, todo anime japonês se resume a uma conclusão: Combate, luta e duelo. No entanto não é bem isso. Mas isso revela que é uma possibilidade dos consumidores terem um direcionamento a aprovação pública e provável provação do próprio valor (psicologia comportamental).

Bem todos estão atrás de aprovação. E no caso óbvio de Tanjirou Kamado que deseja salvar a irmã, é de salvar a única parte de sua vida que sobrou. Tanto que sua motivação se dá unicamente por isso. Como essa mensagem se transforma em – “Qual é o Hashiro mais poderoso?” (Hashiro, guerreiro caçador de demônios habilitado em um elemento específico e de grande habilidade). Parte do POV se dá pelo conceito do próprio consumidor.

Um produto ganha forma assim por quê?

PRODUTOS SÃO SOLUÇÕES PARA PESSOAS COM PROBLEMAS.

Produtos (tangíveis ou intangíveis) são soluções acima de qualquer outra definição que você queira dar. Imagine não pensar no formato, cor, cheiro e como a infraestrutura é, imagine apenas o problema e uma solução. Separe esses dois componentes em sua mente. Deixe que qualquer outra característica seja uma fagulha.

PRODUTOS são SOLUÇÃO. Fixou? Agora é possível entender o conceito. A solução para você é diferente da solução para o outro? Se disser não, é porque você vê a solução do mundo voltado ao seu POV. Não se esqueça que pessoas são diferentes. Uma solução A nunca será uma solução A para todos. Uma bicicleta é um transporte para você, para o outro é uma forma de virar atleta. Ou de entregar encomendas, ou de praticar exercício ou mesmo de ostentação. Ou uma forma de integrar um grupo social (os ciclistas do bairro)

Assim acontece com Demon Slayers, para você é uma batalha árdua de um irmão tentando salvar sua irmã. Para o outro é uma forma de provar o seu valor social. De outro de fazer parte de uma missão de enfrentamento, de outro de revelar as crenças japonesas. Embora esses elementos façam parte do produto de alguma forma, ainda é possível usar o conceito do que não existe para argumentar. Até porque isso é um exercício de interpretação.

COMO OBSERVAR ESSA POV?

Entender a POV de como o público vê o produto é importante para saber explorar as linhas de produtos criados originalmente ou pelo público. Um desses formatos no mundo Geek se chama Cosplay. Uma forma de representar algo para alguém. Não é incomum encontrarmos versões femininas e masculinas de um personagem que é o oposto. Ou de observar crossovers que não seria possíveis ou de intencionar um papel que não foi originalmente criado assim, mas aceito pela comunidade de Cosplayers.

Por que aceito? O objetivo é dar o seu POV sem problemas. Ninguém impõe (e nem sua empresa) um conceito de apreciação. Nem envolva ou confunda filosofia de sua empresa com a filosofia de uma pessoa (consumidor). Normalmente uma pessoa vê a solução baseado em sua própria experiência, congruente, ela se associa as empresas que tem uma afinidade a essa linha de pensamento. Portanto quando observamos em seu estado natural, podemos entender o que o consumidor espera.

Não. E por uma intenção poderosa de te orientar, não é para mudar a natureza do produto e tampouco ele em alguma instância. Mas de ampliar. Deixe Demon Slayer como está, apenas deixe claro que você vê o POV das pessoas. Não é incomum que ao criar merchandising de algo estamos captando essas POVs em níveis mais ‘sutis’. Lançamento de um título de games, mangás, adaptações, réplicas (espadas, vestimenta).

Certo que você ouviu falar de merchandising? Nunca muda o conceito original, amplie. E para isso criamos linhas de produtos que garantem força ao produto central. O consumidor tirará dessa história a conclusão que lhe convier. E não vai entrar em conflito com você e nem seus valores. E vai continuar comprando sem dúvida.

MERCHANDISING A SOLUÇÃO PARA POVS DIFERENTES

Claro que estamos falando de algo antigo, nada criado, inventando de agora ou uma nova solução de Marketing. Criação de linhas de produtos para promover o produto original ou central é tão antiga que podemos notar diversos exemplos:

  • Nos anos 80, a Mabel fez os desenhos do He-man para vender bonecos. Quem é o produto central? Os bonecos. Qual é o merchandising? Os desenhos.
  • Comum em diversos filmes dos anos 80 e 90 ter uma linha de bonecos, bichos de pelúcia, games e brinquedos. Quem é o produto central? Filme. Qual é o merchandising?

O conceito da linha de produto abrange POV porque ela considera que um produto central pode ser ampliado a outros pontos de vista que não o original. O filme Goonies teve um game chamado Goonies 2 que nada tinha haver com o filme. Sua ampliação se dá pela ausência (óbvia) de licença para produzir o jogo e de um ponto que poderia explorar outros pontos de vista que o filme traria.

O Merchandising eleva o produto central a diferentes públicos: Brinquedos para crianças, games para jovens e adultos, literatura para adulto jovens e adultos, bonecos pra colecionadores. Cada um desses vê ou veria esse produto central com esses olhos? O POV compreende que no nosso caso de exemplo, Demon Slayers, cada um vai ver o anime e mangá de uma forma diferente da concebida e mesmo a de outros.

Se aleatoriamente você pegar uma pessoa em um fórum de Demon Slayers ela vai ter dizer tudo o que ela acha do anime. E por incrível que pareça, terá uma noção do quanto o produto central se transformará. Por que isso acontece? Entendemos que a psicologia individual é diferente. Então o anime não é o mesmo para todos. Cada um vai ver um conceito. A essa solução temos as linhas de criação e produto (Merchandising).

  • Cosplay
  • Games
  • Livros
  • Filmes
  • Séries
  • HQs
  • Colecionáveis: Bonecos, Canecas, Bonés, Chaveiros, Camisas, quadros, relógios e etc.

Merchandising não é apenas uma força de promoção (branding) e tampouco de venda (comércio). Garanto que podem ser usados sem problemas. Mas não é apenas. Ela pode ser a solução de quando o produto (seja por força externa) ou ímpeto (interno) de ampliar o produto principal em outros POV. E atingir públicos específicos. Há grupos de consumidores que por exemplo, nunca jogaram FreeFire, mas compram peças do jogo.

Ou que não gostam de um determinado filme, mas o game ou o livro fizeram justiça. Ou vice-versa. Ou que gostam de uma parte do conceito, e abominam o resto. O Merchandising pontua melhor o conceitos de diferentes visões. Porque elas apontam para um lucro prometido mesmo que o público não esteja inteiramente interessado no produto central.

Eu por exemplo gosto de espadas e punhais, é provável que tenha me interessado por muitas produções apenas por este fator. E mesmo que não tenha me interessado, o conceito de uma espada em um filme pode ganhar outra significação ao meu modo de pensar. O que ainda vai gerar lucro. Aliás estou comprando. Não importa se a intenção é de consumir o que originou o conceito daquela espada. Ou o que ela representa. Ou ainda se ela representa o que foi criada para representar, lembrem do conceito do Cosplay lá no começo do artigo.

CONCLUSÃO.

Atualmente não vemos muito o Merchandising consolidar o mercado. Vemos muito pouco extensibilidade e sim um passo divisor. No passado filme era certo de ter uma extensão em games. Ou ainda em HQ. Nos Estados Unidos ainda existe, só não vem para cá. Mas nos anos 90 era comum no Brasil termos essa projeção, porque vinha. E agora temos uma pobreza de intenção neste caso.

O que temos é uma herança corporativista de ‘materiais de papelaria’. Canecas, canetas, camisas e bonés com o logotipo. E confundimos que isso possa ser merchandising. Cuidado. Porque se você não vende material de papelaria, uma caneta continua sendo da empresa X com o logo da sua empresa. Não é um produto, é um pendoor (Outdoor).

Destaco que a empresa Wizard of the Coast é um exemplo que temos que tomar cuidado. Apesar do Brasil estar em alta, e obviamente nosso português tem alguma finalidade no mundo dos negócios, resolver não mais vender produtos com o nosso idioma. Além disso, há muito que se fala, que aqui nem recebemos 80% de todas as linhas de produtos que a empresa possui pelas marcas Dungeons and Dragons e Magic the Gathering, apenas as cartas e alguns formatos.

Por que essa decisão? Podemos supôr, porém não muito distante, porque se observamos o mercado brasileiro, veremos que não somos cultistas da coleção com os norte americanos são. Então não faz sentido investir dinheiro em um país que não terá um retorno substancial em suas economias de fluxo. Se há um consenso de anos assim, porque gastar milhões em tradução, reimpressão, revisão e translado?

Se não há público, não há lucro. E podemos ver que no Brasil existe um consumo absurdo de mangás. Há lojas inteiras só para isso. Temos dois contrapontos nesta conclusão que nos permite entender que o público interessado promove merchandising e não interessado gera ‘efeito retroativo’. Até a próxima.